Semana do Patrimônio

São João del-Rei como Patrimônio Nacional

A cidade foi a primeira registrada no Livro do Tombo e ganhou status de patrimônio nacional.

publicado: 02/03/2020 16h34, última modificação: 02/04/2020 09h38

A paisagem do Centro de São João del-Rei permanece quase imutável desde a década de 1930. Naquela época, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a cidade ganhou o status de patrimônio nacional e passou a ser protegida por leis federais de preservação.

Desde então, com exceção de algumas intervenções pontuais, o conjunto arquitetônico da cidade ainda preserva seus casarios coloniais, templos e monumentos históricos. Caminhar pelas ruas resguardadas, em muitos aspectos, é como voltar cem ou duzentos anos no tempo.

A História da Cidade

Com mais de três séculos de idade, São João del-Rei passou por diversos períodos e marcou presença em muitos momentos importantes da história do país. As primeiras povoações portuguesas surgiram nesta região em 1702, no Porto Real da Passagem, às margens do Rio das Mortes.

Naquele período, exploradores encontraram ouro no Córrego do Lenheiro e nos montes mais ao norte (hoje conhecidos como os bairros Alto das Mercês e Senhor dos Montes). A descoberta do metal precioso logo trouxe ainda mais europeus para a região e as primeiras casas surgiram. Ao longo de todo o século XVIII, o povoado se expandiu ao redor da exploração aurífera.

Inicialmente chamado de Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar (devido à capela ali construída, dedicada à esta santa), ainda em 1713 ganharia o nome de São João del-Rei, em homenagem ao rei D. João V.

O local era a porta de entrada para as minas e entroncamento de estradas para diversas regiões do interior: caminho obrigatório para comerciantes tropeiros e bandeirantes. Se tornou sede da Comarca do Rio das Mortes, foi palco da Guerra dos Emboabas e, ainda naquele século, da Inconfidência Mineira.

O ouro atraiu comerciantes e, no período oitocentista, a cidade prosperou, mesmo com o declínio da exploração mineral. Foi cogitada para ser a capital do Estado, teve a primeira biblioteca, o primeiro banco e o primeiro jornal das Minas Gerais. Substituiu a renda do metal precioso pela produção de bens industriais e, mesmo com todo o espírito progressista, adentrou ao século XX com muito de sua arquitetura colonial ainda preservada.

A paisagem urbana atraiu a atenção dos modernistas, do Ministério da Educação e Saúde do SPHAN. Tal interesse, fez de São João del-Rei um dos principais expoentes da preservação patrimonial do Brasil. Mantendo seu histórico de pioneirismo, ela foi a primeira “cidade monumento” a ser listada no Livro do Tombo.

O Tombamento

Em março de 1938, a cidade de São João del-Rei teve todo o seu acervo arquitetônico e paisagístico registrado na Inscrição Nº 1 do Livro do Tombo das Belas Artes do SPHAN.

No entanto, o interesse pela Cidade dos Sinos surge bem antes, ainda em 1924. Naquele ano, alguns modernistas saíram em viagem para “redescobrir o Brasil”. Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e outros, chegaram a São João del-Rei durante a Semana Santa e se deslumbraram com a arquitetura e cultura do lugar. Estes paulistas, principalmente o poeta Mário de Andrade, tiveram grande influência na idealização de um serviço nacional de proteção e promoção da cultura e história do país – e as tradições são-joanenses foram decisivas para tal.

O momento era propício para a empreitada. A ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas, buscava consolidar uma política de identidade nacional, como forma de unificação do país e consolidação dos ideais da Revolução de 1930. Mário de Andrade levou suas ideias ao governo, escreveu um anteprojeto que serviu de base para a entidade federal e influenciou na escolha dos primeiros bens a serem tombados.

O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional foi criado oficialmente em 1937. Já no ano seguinte, a nova entidade ligada ao então Ministério da Educação e Saúde iniciou uma série de tombamentos por todo o Brasil. Desde aquele momento, os registros são feitos em quatro diferentes Livros: Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Histórico; das Artes Aplicadas; e das Belas Artes.

Em 1938, o SPHAN já havia registrado, em todo o Brasil, cerca de 300 bens a serem preservados. E, em uma iniciativa inovadora, elegeu seis conjuntos urbanos completos, em razão da integridade e uniformidade de seus conjuntos coloniais, levando ao tombamento de cidades inteiras: São João del-Rei, Serro, Tiradentes, Ouro Preto, Mariana e Diamantina.

Desde então, esses locais são protegidos legalmente pela União.

Os Bens Preservados

Em São João del-Rei, inicialmente, não houve demarcação da área tombada. Apenas em 1947, após o embate pela preservação e tombamento do Casarão do Comendador (que atualmente sedia o Museu Regional), o SPHAN decidiu delimitar a zona de preservação da cidade.

A área se inicia na Rua Santo Antônio, estendendo-se para nordeste até a Rua João Mourão – abrangendo todo o casario do período colonial e imperial. Há ainda o conjunto nos arredores da Estação Ferroviária e um apêndice que parte da Ponte do Rosário em direção ao Sul, até a Rua Dr. Mourão Filho.

Além do conjunto urbano, alguns bens foram tombados individualmente, devido aos seus valores estéticos ou históricos. Junto ao tombamento do conjunto urbano, ainda em 1938, o SPHAN também tombou a Igreja de São Francisco de Assis, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar.

Posteriormente, outras construções foram sendo registradas nos Livros do Tombo: o Casarão do Comendador do Largo Tamandaré (atual Museu Regional), em 1946; os Passinhos da Via Sacra das Ruas Duque de Caxias e Getúlio Vargas, em 1949; a Igreja Matriz de São Miguel Arcângelo, no distrito do Cajurú, em 1967; o trecho da Estrada de Ferro Oeste de Minas, entre Aureliano Mourão, São João del-Rei e Antônio Carlos, em 1983; o Complexo Ferroviário entre São João e Tiradentes, em 1985; e o acervo de bens móveis da Capela de Nossa Senhora da Ajuda, da Fazenda do Pombal (atualmente no Museu de Arte Sacra), em 1988.  

FONTES DE CONSULTA

São João del-Rei: Tensões e Conflitos entre o Passado e o Progresso (dissertação de mestrado de Raf. J. C. Flôres, 2007).

Resolução do Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Processo nº 361-T. 1946, Ministério da Educação e Saúde)

Lista de Bens Tombados e Processos em Andamento 2018 (Portal do IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Lista_bens_tombados_processos_andamento_2018)