Álvaro da Cunha

Ao visitar o segundo andar do Museu Regional de São João del-Rei, o visitante se depara com um exuberante quadro de 2,46m adornado por moldura dourada com volutas. Na etiqueta ao lado, lê-se a descrição: “Coronel da Guarda Nacional Álvaro da Cunha”, e, ao observar a obra, é possível ver no canto inferior esquerdo a assinatura do artista C. Bacchi e a data 1913. Já na ficha museológica do objeto consta outra informação: “irmão do Embaixador Gastão da Cunha”. Contudo, o público, em busca de mais informação, questiona o que mais sabemos sobre o coronel. Para responder a essa e tantas outras perguntas, apresentamos esse texto com alguns detalhes de sua trajetória pública, resultado de uma breve pesquisa realizada com a ajuda dos jornais da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.

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VIDA E CARREIRA

Nascido em uma família bem estruturada na cidade mineira de São João del-Rei, Álvaro seguiu os passos de seu pai e irmão nos estudos. Em 1885, o “Arauto de Minas”, jornal de São João del-Rei, noticiava que ele realizava as provas do externato da cidade[1]. Nove anos depois foi mencionado seu interesse em fazer exames para ingressar no curso de agrimensura (desenhos técnicos e estudos do espaço), curso anexo às escolas normais[2]. Já em 1898, outro jornal são-joanense, “O Resistente”, apresentava sua tentativa de ingressar na carreira docente para ocupar a cadeira de Desenho e Calligraphia[3] da Escola Normal. Trajetória parecida com o de seu pai, Balbino da Cunha, que, para além de médico, também havia lecionado em uma escola normal.

No entanto, naquele mesmo ano, o “Minas Geraes”, jornal da cidade de Ouro Preto, noticiou a nomeação de Álvaro para o cargo de tenente-secretário da Guarda Nacional na Comarca de São João del-Rei[4]. Pouco tempo depois foi anunciada sua promoção para capitão, acontecimento que foi celebrado pela família em sua terra natal[5].

Em 1905, o “Jornal do Brasil (RJ)” trazia a Ordem do Dia do Quartel-General do Commando Superior da Guarda Nacional da Capital Federal informando sua apresentação para que fosse agregado ao “estado-maior daquele comando superior”[6].  Era noticiada a transferência do capitão para a capital, onde já se fazia presente antes, participando de eventos oficiais. Ainda, os dois últimos meses daquele ano foram marcados pela morte de seus pais, Dona Antonia Cunha e Balbino da Cunha, em São João del-Rei[7]. Na imprensa, os cinco filhos do casal eram mencionados com suas respectivas ocupações, sendo Álvaro citado como desenhista de primeira classe da prefeitura do Rio.

Pouco tempo depois, em notícia de 1906 sobre a viagem de uma comissão à Europa para fiscalizar a construção de couraçados brasileiros, o Capitão Álvaro aparecia como desenhista de máquinas[8]. E ainda, dois anos depois, na nota de falecimento de seu irmão, João Batista da Cunha, Álvaro era descrito pelo jornal como “funcionário da comissão de propaganda e expansão econômica na Europa”[9].

Com ajuda de uma rede de influencias criada entre São João del-Rei e o Rio de Janeiro no século XIX, a família Cunha conseguiu se tornar cada vez mais atuante e são citados diversas vezes nos jornais. Nas imagens abaixo, os irmãos Álvaro e Ernesto participaram da recepção de oficiais dos cruzadores argentinos e italianos, além de delegados estrangeiros do congresso Pan Americano, na casa do redator chefe do Jornal do Brasil[10].

As primeiras décadas seguintes foram marcadas pelo seu trabalho em consulados no exterior. Entre várias notícias que circularam, entre 1911 e 1924, é possível ver sua atuação junto ao corpo diplomático brasileiro, em um período de muita movimentação, entre transferências e comunicados de participação em eventos oficiais. Tarefa que não foi exercida com facilidade, como mostra o relato de um colega de trabalho feito no jornal anos mais tarde, denunciando as precariedades do ofício naquele período[11].

Para apresentar aquela nova fase de sua vida, transcrevemos uma pequena biografia publicada na ocasião de sua morte em Madri, no ano de 1930. Em coluna “Consul Álvaro da Cunha: o seu fallecimento em Madrid”, foi noticiado:


(…) A sua nomeação para a nossa representação no exterior data de 1907, quando foi investido do cargo de auxiliar de consulado em Marselha. Depois, ocupou os seguintes logares: auxiliar de primeira classe do Serviço de Expansão Economica na Europa; auxiliar de consulado em Bruxellas; chanceler em Montevidéo; consul em Beyruth, por promoção, em 1911, não tendo assumido o cargo, ficou em comissão no Rio; consul em Londres; missão especial nos paizes Balkanicos, com residência em Athenas; consul em Virgo; em Boulogne sur Mer; secretario da delegação brasileira junto á Liga das Nações; consul em Rotterdan; e, finalmente em Madrid, em 1924.[12]


Com base nessa breve descrição e nas matérias publicadas nos jornais da época, fica evidente seu trabalho como cônsul, porém percebe-se, também, que Álvaro mantinha outro ofício paralelo, como observado no trecho: “(…) se engrava à nobre arte do pincel, em que fez alguns trabalhos de reconhecimento mérito”. Ou seja, mesmo durante sua trajetória diplomática, não deixou de praticar as artes, o desenho e a “engenharia”. Inclusive, foi devido às suas habilidades criativas que, após 1910, os jornais mineiros e cariocas noticiaram que o então chanceler em Montevidéu apresentava a invenção de um aeroplano que poderia subir voo sem precisar de impulso, além de poder “parar no ar”[13].  Contudo, apesar do interesse estrangeiro, parece que esse invento não saiu do papel, pois as notícias da invenção pararam de circular logo em seguida.

Sobre os poucos registros da vida privada do cônsul na sua última década, foi feita uma breve menção de que em “4 de fevereiro de 1928 (…) contraiu nupcias com a senhorita Maria Inchausti de Castro, de conhecida familia hespanhola”. Mas não encontramos outras notícias sobre a vida de Álvaro em Madri, local onde casou-se e esteve em seu último posto profissional como cônsul geral, apenas um registro de palestra realizada sobre o Brasil, em 1929, já no final de sua vida, em ocasião da realização da Exposição Ibero-Americana daquele ano em Sevilha[14].  

Para encerrar, um trecho do último registro encontrado nos jornais, como provocação de incentivo para mais investigações históricas:


O Dr. Alvaro da Cunha, nascido em S. João d’el-Rey, morre aos 52 annos de idade. (…) possuia um temperamento artistico notavel. A sua conversa era um encanto para todos quantos a ouviam. Pintor, desenhista e poeta, ao que sabemos, Alvaro da Cunha deixou ineditos de merito.[15]


[1] O Arauto de Minas: Hebdomadario Politico, Instructivo e Noticioso (MG) – 1877 a 1889. Externato de São João del-Rei. 18 de julho de 1885, p.2. Ano 1885\Edição 00018. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[2] Minas Geraes: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG) – 1892 a 1900. Secretaria do Interior. 17 de outubro de 1894, p.1. Ano 1894\Edição 00280. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[3] O Resistente: orgam do commercio, da industria e da lavoura (MG) – 1896 a 1902. S/N. 17 de março de 1898, p.1. Ano 1898\Edição 00133. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[4] Minas Geraes: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG) – 1892 a 1900. Guarda Nacional. 4 de dezembro de 1898, p.4. Ano 1898\Edição 00286. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[5] Jornal do Brasil (RJ) – 1900 a 1909. Guarda Nacional. 13 de agosto de 1901, p.2. Ano 1901\Edição 00225. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[6] Jornal do Brasil (RJ) – 1900 a 1909. Guarda Nacional: Ordem do Dia. 26 de agosto, p.2. Ano 1905\Edição 00238. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[7] Pharol (MG) – 1876 a 1933. Municipios. 22 de novembro de 1905, p.2. Ano 1905\Edição 00278 (1); A Noticia (RJ) – 1894 a 1916.  Gazetinha: fallecimentos. 18 novembro de 1905, p.3. Ano 1905\Edição 00277. Gazetilha: fallecimentos. 6 de dezembro de 1905, p.3. Ano 1905\Edição 00292. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[8] Jornal do Brasil (RJ) – 1900 a 1909. S/N. 12 de novembro, p. 7. Ano 1906\Edição 00255 (1); A Noticia (RJ) – 1894 a 1916.  S/N. 12 de setembro de 1906, p.3. Ano 1906\Edição 00212. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[9] O PAIZ (RJ) – 1900 A 1909.  Pesame. 18 de novembro de 1908, p. 3. Ano 1908\Edição 08778. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[10] REVISTA DA SEMANA (RJ) – 1900 A 1918. Rio de Janeiro: Recepções. 5 de agosto de 1906, p.5. Ano 1906\Edição 00325.

[11] JORNAL DO COMMERCIO (RJ) – 1950 A 1959. Grandezas a misérias da carreira diplomática. 01 de junho de 1952. Ano 1952\Edição 00202; O PAIZ (RJ) – 1910 A 1919.  Decretos. 28 de setembro 1916. Ano 1916\Edição 11679. Jantares. 03 de agosto de 1919. Ano 1919\Edição 12715. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[12] O Jornal (RJ) – 1930 a 1939. Consul Alvaro da Cunha. 15 de outubro de 1930, p. 3. Ano 1930\Edição 03657. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[13] Pharol (MG) – 1876 a 1933. Notas e Novas. 11 de fevereiro de 1911, p. 1. Ano 1911\Edição 00036. Exterior – França. 20 de outubro de 1912, p. 1. Ano 1912\Edição 00248; Jornal do Commercio (RJ) – 1910 a 1919. Uruguay. 13 de novembro de 1910, p. 1. per364568_1910_00346. Inglaterra. 20 de outubro de 1912, p. 2. per364568_1912_00293. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[14] GAZETA DE NOTICIAS (RJ) – 1920 A 1929. Uma conferencia sobre o Brasil, em Madrid: realisada pelo consul Alvaro da Cunha. 28 de março de 1929, p. 3. Ano 1929\Edição 00073 Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

[15] Diario de Noticias (RJ) – 1930 a 1939. O desaparecimento de uma das figuras de maior relevo da nossa carreira consular: Quem era o consul Alvaro da Cunha. 15 de outubro de 1930, p. 5.  Ano 1930\Edição B00127. Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.