Semana do Patrimônio

A História do Casarão do Comendador

O Sobrado localizado no Largo Tamandaré se tornou uma construção histórica para a cidade.

publicado: 03/03/2020 10h08, última modificação: 02/04/2020 09h38

O sobrado do Museu Regional de São João del-Rei terminou de ser construído em 1859. Considerado um marco da resistência de preservação do patrimônio arquitetônico da cidade, a construção passou por momentos conturbados ao longo da história. Após servir de comércio e residência familiar, o casarão se tornou motivo de embate político, cultural e econômico.

Construído a pedido do Comendador João Antônio da Silva Mourão, comerciante  são-joanense, o sobrado passou pelas mãos de duas famílias, até ser vendido para uma empreiteira. Foi parcialmente demolido, desapropriado e restaurado. Das ruínas veio a se tornar museu e guardião da memória e cultura de São João del-Rei.

O Comendador

João Antônio da Silva Mourão nasceu em São João del-Rei em 1806. Filho de mãe solteira, se tornou um próspero homem de negócios na cidade. Atuou como comerciante, negociando bens e serviços e emprestando dinheiro a juros.

Sua fortuna também foi enriquecida com heranças conjugais e materna. No inventário da mãe de Mourão, Ana Joaquiana Albino de Azevedo Lemos, estão descritos equipamentos de mineração, imóveis e escravos. É possível especular, a partir deste documento, que ela administrava os negócios da família. Além das posses que herdou da mãe, Mourão se casou três vezes, o que fortalecia sua posição social.

Seu prestígio e influência na comunidade foram confirmados com duas importantes condecorações da época. Mourão recebeu a Comenda da Ordem de Cristo e a Comenda da Ordem da Rosa – insígnias concedidas durante o Império e que serviam para distinguir aqueles que propagassem a fé, o culto cristão e dedicassem fidelidade ao Imperador.

Acredita-se que as comendas lhe tenham sido concedidas por seus serviços prestados à Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, da qual era membro.

O prestígio de Mourão ficou ainda mais evidente após a construção do imóvel localizado em um espaço privilegiado da cidade. O sobrado com três pavimentos se destacava à beira do Córrego do Lenheiro, em um local considerado a entrada da cidade, caminho para as tropas de comerciantes que viajavam pela Estrada Real. Não apenas pelo tamanho, mas também pelo estilo arquitetônico imponente, o imóvel era uma forma de destacar o poder financeiro.

Apenas alguns anos após o término da construção, Mourão veio a falecer, em 1866, deixando o sobrado como herança para a terceira esposa e seus dez filhos.

O Casarão: um Embate entre Preservação e Progresso

Após a morte do Comendador, seus herdeiros continuaram morando no sobrado do Largo Tamandaré por quase uma década. Em 1875, no entanto, seus filhos deixaram o imóvel, optando por aluga-lo. Mais de meio século depois, em 1926, os descendentes de Mourão decidiram por vender a casa, que foi transferida para a família do Coronel Gabriel Felisbino de Resende.

 É preciso lembrar que, em 1938, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), todo o conjunto urbano de São João del-Rei foi tombado e passou a ser protegido legalmente. Qualquer modificação nos edifícios deveria passar por aprovação do órgão federal.

O antigo Casarão do Comendador estava no centro da zona de proteção do SPHAN e, em 1944, uma das herdeiras do Coronel Resende, Maria Resende Mafra, consultou o Serviço Federal. Sua intenção era demolir o prédio para construir um hotel. O SPHAN reprovou as intenções da proprietária, mas ofereceu apoio técnico no restauro e adaptação da casa em um empreendimento hoteleiro.

Por insatisfação com a decisão do órgão e esta ter se mostrado inviável financeiramente, Maria Resende Mafra opta por vender o imóvel e o Casarão do Comendador é repassado à Companhia Interestadual de Melhoras e Obras Sociedade Anônima (CIMOSA). À época, a empreiteira tinha como diretor-presidente o advogado Tancredo de Almeida Neves – que futuramente se destacaria na política nacional e chegaria ao cargo de presidente da república.

A CIMOSA desconsidera a atuação do SPHAN e, em 1946, inicia a demolição do sobrado. O processo começa pelo interior da construção, destruindo todas as paredes internas dos três pisos. A empresa pretendia construir, no local do antigo sobrado, uma edificação de doze andares. O projeto previa ainda, já com o aval da prefeitura, a construção de uma nova estação rodoviária no local da Praça Severiano de Resende (o Largo Tamandaré).

A partir daí, inicia-se uma disputa na cidade. De um lado, o SPHAN e seus arquitetos se movimentam para barrar as obras e preservar o Casarão. Do outro, empresários e jornais de São João del-Rei dão vasão a uma campanha de viés progressista, incentivando o avanço da cidade e a demolição do prédio.

O embate midiático, político e econômico se estende por todo o ano de 1946. Nesse meio tempo, as obras foram embargadas, mas todo o interior do prédio já havia sido demolido – além dos telhados e das paredes externas do último pavimento. O Casarão do Comendador encontrava-se em ruínas.

Por fim, sobrado, que na época contava com cerca de 80 anos, foi tombado individualmente como patrimônio nacional. Por intervenção do então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, o imóvel foi desapropriado e o processo de demolição totalmente interrompido.

As Particularidades do Casarão

Construído no Período Imperial, o Casarão do Comendador possui características que se destacaram ante o olhar dos arquitetos do SPHAN. Para o órgão, o prédio era um exemplar característico da arquitetura imperial, com ornamentos em estilo rococó e elementos arquitetônicos de influência francesa – o que o classifica como um exemplar raro daquele período, principalmente fora das regiões cafeeiras de Minas Gerais.

O artista e historiador José Wasth Rodrigues diz ainda que as particularidades das ornamentações da fachada podem ter servido de modelo para outras construções de São João del-Rei. Segundo ele, prédio seria comparado em importância à Casa dos Contos de Ouro Preto ou somente a mais um ou dois prédios do Brasil.

Após a desapropriação do imóvel, o SPHAN deu início a uma grande obra de restauro, que se estenderia por cerca de uma década e envolveria grandes nomes da arquitetura nacional. Apesar de destruído internamente, a maioria das características externas do edifício foi preservada e o antigo Casarão do Comendador – que fora sede comercial e residencial de grandes famílias da cidade – se tornaria, mais tarde, o Museu Regional de São João del-Rei.

FONTES DE CONSULTA

São João del-Rei: Tensões e Conflitos entre o Passado e o Progresso (dissertação de mestrado de Raf. J. C. Flôres, 2007).

A Casa do Comendador João Antonio da Silva Mourão atual Museu Regional de São João del-Rei. (especialização de Til Pestana, 1990).

Documento e I.MG-523.018. S/d. (Fundação PróMemória, Arquivo Noronha Santos).

Documentário Arquitetônico Relativo à Antiga Construção Civil no Brasil. (José Wasth Rodrigues, 1975).