Semana do Patrimônio

O Órgão de Tubos do Museu Regional

A história do instrumento do século 18 que, após restaurado, traz a música daquela época para o presente.

publicado: 06/03/2020 15h50, última modificação: 02/04/2020 09h38

Com cerca de 200 anos de idade, o órgão de tubos do Museu Regional foi construído quando São João del-Rei era ainda uma vila. Após um longo período de silêncio, foi totalmente restaurado e, desde 2010, encontra-se em pleno funcionamento. Hoje, a música do Século XVIII encontra-se viva e ressonante no museu, através de um instrumento possivelmente produzido no Brasil e pertencente à região do Campo das Vertentes.

Preservado como acervo museológico e usado durante recitais, o órgão de tubos faz parte da herança cultural do município, como parte do patrimônio musical da cidade. Apresentações musicais realizadas pelo museu revivem diversas melodias do período colonial e imperial e trazem para o público as músicas escritas por compositores locais, como o Pe. José Maria Xavier.

O órgão chegou ao Museu Regional na década de 1960, advindo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Naquela época, o instrumento se encontrava em mal estado de conservação, faltavam-lhe muitas flautas e seu mecanismo interno já não funcionava mais.

Sua história, no entanto, é bem mais antiga.

As origens do órgão

Não se sabe com exatidão a data da construção, ou quem foi o organeiro responsável pela confecção do órgão, mas algumas informações, reunidas ao longo de anos de pesquisa, conseguem situar uma idade aproximada e uma origem para a obra.

O registro mais antigo do instrumento é datado de 1824. Em seu testamento, um padre de São João del-Rei deixava o órgão de tubos para a Ordem do Carmo. Pelo mesmo documento, é possível saber que o Padre Jerônimo Pereira de Carvalho morava na Fazenda da Bela Vista, na região onde hoje situa-se o Distrito de São Miguel do Cajuru.

Apesar do primeiro registro documental ser do início do século XIX, durante o restauro chegou-se à conclusão de que o instrumento foi construído em um período anterior. Com os documentos encontrados nos dutos de ar não foi possível determinar a idade e a autoria da peça. No entanto, o diagnóstico da empresa restauradora concluiu que o modelo do teclado e as técnicas dos tubos, além dos detalhes decorativos, são características utilizadas durante o século XVIII.

Já os estudos da organista e pesquisadora Elisa Freixo concluem que o instrumento foi construído por um organista brasileiro ou português. Seu tamanho sugere que tenha tido finalidades domésticas, para ambientes pequenos – o que corrobora com o testamento de Pe. Jerônimo, que cita o acervo da capela de sua fazenda.

A partir de 1824, com a morte de Pe. Jerônimo, o órgão foi instalado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Centro de São João del-Rei.  Ali, passou a fazer parte das celebrações e festas religiosas, sendo tocado por organistas contratados pela igreja, junto à Orquestra Lira Sanjoanense.

O instrumento só parou de ser usado cerca de cem anos depois. Em 1925, a Ordem Terceira do Carmo rompe o contrato com a Lira e, no grupo musical que assume o serviço na igreja, não havia quem soubesse “tanger o órgão”.

O instrumento, então, permanece em silêncio e vai se danificando com o tempo.

No início da década de 1960, o Capelão da Ordem Terceira do Carmo, Monsenhor José Maria Fernandes, se envolve na organização do Museu Regional de São João del-Rei, que seria fundado oficialmente em 1963. O religioso, que se tornou o primeiro diretor da instituição, doou diversos bens artísticos da igreja para o museu – entre eles o órgão de tubos da Fazenda da Bela Vista.

Preservação e restauro

O antigo instrumento de Pe. Jerônimo permaneceu exposto no Museu Regional, sem funcionamento, por cerca de 46 anos. Quando chegou, estava coberto com uma pintura escura, em tons marrons, faltavam-lhe a maior parte de seus tubos e, apesar do mecanismo aparentemente completo em seu interior, já não mais funcionava.

Por volta de 2005, foi idealizada a possibilidade de restauração do órgão de tubos. Naquele ano, a empresária Zélia Mendonça, ao saber dos planos da instituição, fez uma doação que deu origem ao projeto de captação de recursos. Dessa forma, deu-se início aos esforços para restauração do instrumento setecentista.

A musicista Elisa Freixo realizou um concerto de cravo beneficente, em prol da restauração do órgão e, mais tarde, participou como consultora nos trabalhos de recuperação do instrumento.

A Associação de Amigos do Museu Regional de São João del-Rei (Amarei) – criada no início dos anos 2000 – assumiu o processo e se responsabilizou por todo o projeto. Os membros da Amarei – Angela M. B. Lopes, Antônio M. Pedroso Júnior, Artur C. C. Moreira, Célia M. T. Vitral, Flávio J. G. Frigo, José P. Teixeira Neto, Maria de Fátima N. Braga, Patrícia T. de Almeida, Ricardo J. Bassi, Silvério Parada, Wanderley M. Guilherme – deram início à captação de recursos. O projeto foi financiado pela Petrobrás e pelo Itaú Cultural.

Durante a restauração, iniciada em 2009, descobriu-se que a tinta escura se sobrepunha à pintura original. O marrom foi removido e as cores claras reapareceram após décadas escondidas. Sobre as almofadas das portas, descobriram temas florais e técnicas pintura marmorizada.

O mecanismo musical, com seus foles, teclas, flautas e demais elementos ficaram sob responsabilidade de empresa de restauração espanhola, sediada em Barcelona. Dois organeiros alemães foram enviados à São João del-Rei e trabalharam a recuperação do instrumento dentro da instituição.  

Desde 2010, o órgão passou a funcionar de forma completa, trazendo de volta os sons e a musicalidade dos séculos XVIII e XIX. Frequentemente, o Museu Regional realiza recitais do instrumento, com entrada gratuita.

FONTES CONSULTADAS

Ficha Catalográfica do Órgão de Tubos (Acervo do Museu Regional de São João del-Rei).

O Órgão de Tubos da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo de São João del-Rei (Aluízio José Viegas).

Relatório Final dos trabalhos de conservação e restauração realizados na Caixa do Órgão pertencente ao Museu Regional de São João del-Rei/MG (Anima – Conservação Restauração e Artes Ltda).

Memoria Final de la restauración del órgano processional del Museo Regional de São João del-Rei (Minas Gerais, Brasil) (Andreas Fuchs – Gerhard Grenzing, S.A Construcció d’Orgues).