Em 2020, Minas Gerais comemora 300 anos de fundação. E prestar uma homenagem para esse estado não é tarefa das mais fáceis. Uma vez, que uma localidade com tanta história é até difícil escolher o que se abordar. E que tal, falar de um local em que se ajuda a preservar e a contar a história do povo mineiro? Até porque um dos grandes patrimônios desse estado é o povo que aqui nasce e cria suas próprias memórias. Essa é a história do casarão que abriga o Museu Regional de São João del-Rei. Uma instituição que se tornou importante não só para a cidade, mas para Minas como um todo.
O Museu Regional está situado em um sobrado construído no século 19. Localizado na Praça Severiano de Resende, popularmente conhecida como Largo Tamandaré, a história de como essa imponente casa se tornou um museu é repleta de momentos de reviravoltas.
A ideia da construção do imóvel partiu do Comendador João Antônio da Silva Mourão, um influente comerciante são-joanense. O plano do Comendador era que o casarão fosse divido para que em um espaço, ele e sua família morassem e em outro funcionasse um de seus empreendimentos, uma loja de secos e molhados.
Além disso, o local em que o sobrado foi construído era um espaço muito importante na cidade. A casa situada à beira do Córrego do Lenheiro, estava na rota da entrada do município, caminho para as tropas de comerciantes que viajavam pela Estrada Real. O casarão que tinha três pavimentos impressionava não só pelo tamanho, mas também pelo o que ele representa: o poder financeiro de João Mourão. E naquela época, São João del-Rei já se mostrava uma localidade importante para o comércio no estado.
É necessário começar a contar a história a partir da morte de Mourão, que ocorreu em 1886. O casarão passou a pertencer aos familiares do Comendador, que ali residiram por quase uma década. Durante algum tempo o imóvel foi alugado. Em 1926, os descendentes do primeiro proprietário optaram pela venda da casa. Os novos proprietários do espaço pertenciam à família do Coronel Gabriel Felisbino de Resende.
Antes de continuar a narrar como um sobrado do século 19 se tornou um museu, é importante citar o nascimento de uma instituição e qual foi o papel, aliás fundamental, que ela teria no destino do que veio a se tornar o Museu Regional.
No ano de 1938, foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Essa nova instituição foi a responsável pelo tombamento do conjunto urbano de São João del-Rei, e todo esse espaço da cidade passou a ser protegido legalmente. Com isso, qualquer modificação nas construções centrais do município deveria ser aprovada pelo órgão federal.
O casarão era um dos imóveis presentes na zona de preservação do SPHAN. Em 1944, familiares do Coronel Resende consultaram o Serviço Federal, pois desejavam demolir a casa e construir um hotel no lugar. O SPHAN não permitiu que isso ocorresse. Os herdeiros do Coronel optaram pela venda do sobrado.
A construção foi adquirida pela Companhia Interestadual de Melhoras e Obras Sociedade Anônima (CIMOSA). A empreiteira desconsiderou a atuação do SPHAN e, em 1946, iniciou a demolição do sobrado. Internamente o prédio foi todo destruído. A empresa tinha como planos construir uma edificação de doze andares. O projeto previa ainda, já com o aval da prefeitura, a construção de uma nova estação rodoviária no local da Praça Severiano de Resende (o Largo Tamandaré).
Neste momento, foi instituído um clima de disputa no município. De um lado estava o SPHAN, que lutava pela preservação do sobrado. Do outro, estavam os empresários e os jornais da época que defendiam a ideia de progresso para o município. Esse entrave político, midiático e econômico se estendeu por todo o ano de 1946. Durante esse período, a obra foi embargada. O interior da casa já estava destruído, além dessa parte, o telhado e as paredes externas do último pavimento também foram desmanchados.
Após todo esse imbróglio, a casa, que na época contava com cerva de 80 anos, foi tombada individualmente como patrimônio nacional. Por intervenção do então Presidente Eurico Gaspar Dutra. O imóvel foi desapropriado e as obras foram interrompidas imediatamente. A partir desse momento, o imóvel seria de responsabilidade da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN, atual IPHAN).
Sob a direção do órgão federal, deu-se início a um grande processo de reforma e restauração do prédio, que se seguira ao longo dos anos de 1950. Nomes como do arquiteto Lúcio Costa estavam a frente do projeto do museu de São João del-Rei. O acervo começou a ser adquirido em 1952 e a ideia era que ele tivesse ligação com o período em que a casa foi construída, ou que tivessem o estilo daquela época. Após todo esse processo, o Museu Regional foi finalmente aberto ao público no ano de 1963.
Hoje, o Museu Regional de São João del-Rei é considerado um marco da resistência de preservação do patrimônio arquitetônico não apenas da cidade, mas também do estado. Por meio de seu grande e diversificado acervo, que foi sendo composto a partir de peças de diferentes épocas, a instituição preserva e ajuda a contar a história do povo mineiro, com o intuito de que as próximas gerações possam conhecer um pouco sobre o passado de Minas Gerais.