A EDUCAÇÃO MUSEAL NO MRSJDR
A instituição e a Educação
O Museu Regional de São João Del-Rei (MRSJDR) foi aberto ao público em julho de 1963, embora desde o final dos anos 50, do século passado já recebesse visitantes, principalmente pesquisadores interessados nos documentos da Comarca do Rio das Mortes, incorporados ao acervo histórico da instituição naquela década. A história do museu, no entanto, retrocede a um tempo anterior e se entrelaça com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)[1], em 1937.
Logo após a criação do SPHAN, o primeiro tombamento realizado foi o conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de São João Del-Rei e, após tomar-se conhecimento da intenção dos proprietários em demolir o casarão, situado à Praça Severiano de Resende, trabalhou-se no intuito de conseguir, igualmente, seu tombamento, bem como, delimitar a área tombada da cidade. O edifício havia sido vendido a uma companhia chamada CIMOSA que tinha a intenção de demoli-lo para a construção de um moderno edifício onde funcionaria um hotel. Após uma longa disputa, em 1946, o edifício foi finalmente tombado e desapropriado; logo em seguida, deu-se início às obras de restauro.
Durante a restauração, decidiu-se que o prédio abrigaria um museu, pois isso facilitaria a sua preservação e melhoraria a relação do Instituto com a população local. Nas décadas de 30 a 50 o SPHAN implementou uma política para a área de museus, cujas diretrizes consistiam em uma ruptura com o modelo de museus criados anteriormente. Segundo JULIÂO:
As principais iniciativas museológicas do Sphan entre as décadas de 1930 e 50, se localizaram, em geral, fora do eixo Rio-São Paulo, em estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Pernambuco e, sobretudo, Minas Gerais. Menos ambiciosos que os grandes museus nacionais das duas maiores metrópoles do país, Rio de Janeiro e São Paulo, os chamados museus regionais não apenas conformaram a tradução meseológica do pensamento patrimonial forjado pelo Sphan, como operaram, pode-se dizer, uma virada silenciosa na cultura museológica do país que, no entanto, é pouco conhecida pela literatura especializada. (JULIÃO, 2009.p.02).
Ao contrário dos museus nacionais criados em São Paulo e Rio de Janeiro, os museus criados nesse período tiveram outros enfoques. Ao invés de privilegiar objetos-relíquias associados a fatos e a personagens notáveis, os novos museus enfocam em outros aspectos, tais como a sociedade setecentista, a arte colonial, a estética barroca e o movimento da Inconfidência, temas considerados importantes como delineadores da identidade nacional.
Com essas diretrizes foram criados os museus da Inconfidência em Ouro Preto, do Ouro em Sabará e das Missões no Rio Grande do Sul. Em São João Del-Rei, em 1946 o então diretor do SPHAN Rodrigo de Melo Franco de Andrade em oficio ao Ministro da Educação e Saúde pediu autorização para comprar para a União o prédio que já havia sido tombado, pois segundo ele, o prédio precisava de restauro e ele temia pela sua estabilidade e conservação se ficasse em pose de terceiros. Além disso, sua intenção era que ali fosse instalado um museu, a exemplo das outras cidades históricas de Minas. É relevante ressaltar o caráter educativo que o diretor deu à sua justificativa. Segundo ele a criação do museu contribuiria para que a população compreendesse melhor a necessidade da preservação do patrimônio artístico e cultural.
Ocorre acrescentar que tal medida contribuirá, por certo para que a população de São João Del-Rei, beneficiada com uma instituição cultural de manifesta utilidade pública, considere com mais simpatia e melhor compreensão a ação desta Diretoria em prol da preservação do patrimônio histórico e artístico daquela gloriosa cidade. (Correspondência, 04/09/1946)
O caráter educativo das ações governamentais também foi ressaltado por Ralf Flores. Segundo ele a meta das políticas de preservação do patrimônio “visavam à educação e à criação de um gosto para o povo brasileiro” (FLORES, 2007). Para que o país se tornasse uma grande nação havia a necessidade da valorização de bens culturais que intelectuais e governo estabeleceram como, autenticamente, da cultura brasileira.
Assim, ao mesmo tempo em que se executavam as obras de restauro, tomaram-se medidas para aquisição do acervo. A função educativa do museu era uma preocupação constante do então diretor do SPHAN. Ela se mostra nos primórdios do museu, quando ainda da sua instalação até os dias atuais, embora apresente-se de forma diversa nos diferentes períodos por que passou o museu.
As ações Educativas – Do Monsenhor José Maria Fernandes ao estabelecimento do setor educativo
O painel que se encontra no andar térreo mostra-nos, ainda, a preocupação com o caráter educativo do museu. De acordo com as diretrizes do SPHAN, nas quais o museu era considerado um instrumento para a educação do povo, foi providenciado, no andar térreo, um painel biface com o objetivo de servir de “guia” aos visitantes. Assim, logo na entrada do museu o visitante pode observar a representação da evolução das obras de arte maiores e menores de um lado e do outro, os principais monumentos de São João Del Rei, como um recurso didático que fornecesse aos visitantes a chave para a leitura correta do mobiliário e do patrimônio urbanístico e arquitetônico da cidade. O projeto foi baseado em estudos de Lúcio Costa[2], arquiteto do SPHAN, e executado por João Guimarães Vieira, contratado para esse fim em 1957 e apresenta três conjuntos de produções: edificações residenciais e prédios públicos; mobiliário: cadeiras, mesas e cabeceiras de cama e a indumentária: trajes masculinos e femininos.
Outra medida tomada por Rodrigo de Melo Franco de Andrade na qual se revela as preocupações do diretor com a educação, foi encomendar ao artista Eduardo Tecles, em 1938, modelagens em gesso de obras de Aleijadinho. A intenção do então diretor do SPHAN era abrir o Museu da Modelagem e tornar disponível para pesquisas e estudos a obra do maior artista representante do barroco brasileiro[3]. A ideia do museu não se concretizou, por isso elas foram distribuídas para os museus da instituição. No MRSJDR há seis peças: o profeta Baruc cuja obra original encontra-se em Congonhas do Campo; Frontal do altar-mor da igreja São Francisco de Assis de Ouro Preto; Lavabo da sacristia da Igreja Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto; Bacias do Púlpito de Sabará, Face lateral e frontal do Púlpito da Igreja São Francisco de Assis de Ouro Preto.
O pesquisador do SPHAN Monsenhor José Maria Fernandes, que também ocupava o cargo de professor na Escola Normal, hoje Colégio Nossa Senhora das Dores, ficou responsável pela instituição e foi seu primeiro diretor. Além de catalogar o acervo de documentos da Comarca do Rio das Mortes que para o museu vieram em 1958, ele e o zelador Ladislau Martins Ferreira recebiam grupos de escolas e turistas para visitas. Em carta a Rodrigo de M. Franco Monsenhor Fernandes conta que os funcionários do museu eram poucos, diante do trabalho que devia ser feito, pois ele recebia aqui grupos escolares e ele mesmo tinha que mediar as visitas e que na sua idade, aquilo se tornava difícil.
Lígia Martins Costa, museóloga do SPHAN esteve no museu no início dos anos sessenta para organizar o acervo do museu. Em 1961 ao dar seu parecer sobre a aquisição de uma peça chamada de viramundo relata que estava organizando no 3º andar “seção de Arte e Artezanato populares do século XIX e que congrega ainda outros aspectos da atividade escrava entre nós[4]” e portanto, deu parecer favorável à compra da peça.
É necessário ressaltar que a conservadora do IPHAN não foi a única a trabalhar com a expografia. Embora acredita-se que o trabalho de elaboração da narrativa museal tenha sido de Ligia Costa, também trabalharam na execução João Garboggini Quaglia, que estava lotado no museu nos anos sessenta, e o conservador Alfredo T. Rusins. Este último veio especialmente do Rio de Janeiro para tomar as providencias necessárias para organização do museu e tornar possível a sua abertura ao público, conforme carta de Rodrigo M. Franco a Mons. José Maria Fernandes[5] (24/04/1963)
A partir da abertura oficial do museu ao público em 1963 até a década de 80 houve visitas de grupos escolares, porém não constatamos no arquivo da instituição outros tipos de atividades ou ações educativas. Ao que consta havia a visita de grupos escolares, mas também não fica claro se havia um funcionário para fazer a mediação. Somente em 1981, quando a museóloga Norma Fairbanks Gomes assume é que podemos verificar uma preocupação mais efetiva com a função educativa do museu. Não somente na promoção de novas ações, mas também na reformulação da exposição permanente conforme correspondência enviada a Rui Mourão coordenador de Museus e Casas Históricas de MG/ fundação Nacional pró-Memória, instituição à qual o museu estava vinculado naquele ano:
Para uma integração museu/comunidade, é necessário que haja uma exposição permanente com uma museografia adequada e também um espaço físico para auditório e exposição temporária. Com essa dinamização, a comunidade gradativamente adquiriria o hábito de frequentar museus, além de criar mais uma opção de lazer e aprendizado.
Percebe-se nesse relatório de 1981 e em todo o trabalho efetuado por ela, a preocupação da relação do museu com a comunidade. Ainda estava bem vivo o conceito de Museu Integral, amplamente debatido na Mesa de Santiago de 1972, dentre outros eventos de Museologia. Sua consideração acerca da exposição de longa duração ser “inadequada” pode ter sido pelo motivo de ter percebido que não havia uma narrativa na forma de arranjar os objetos museais, o quais deveriam, segundo ela, contar uma história, ter um discurso. Pelos documentos, tais como relatórios e correspondências, aos quais tivemos acesso, percebe-se o esforço da diretora, e também museóloga, em implantar um setor educativo dinâmico, que servisse à comunidade sanjoanense. Ademais, segundo correspondência de 27/05/1983, o museu e sua exposição de longa duração não atendiam às necessidades da comunidade e o setor educativo e as exposições de curta duração, com temas de interesse local, seria uma forma de amenizar essa situação.
Para isso, ela convoca a comunidade, juntamente com os membros da Fundação Municipal de São João Del Rei para reunião de discussões sobre o novo projeto: “As ideias e sugestões de cada pessoa dessa cidade é de extrema importância, pois a partir disso é que conseguiremos a integração comunidade/museu” (01/09/1983).
No ano de 1983, lutando contra muitos problemas, principalmente de recursos financeiros, e fazendo parceria com terceiros, ela consegue promover algumas atividades educativas, embora perceba-se que as dificuldades eram imensas, entre as quais pode-se citar: falta de pagamento aos monitores dos cursos, necessidade de pedir empréstimo de salas da fundação Municipal de cultura, entre outros. Nesse ano, aconteceram as seguintes atividades educativas:
- Curso:
Conheça melhor a sua cidade – com aulas de história sobre a cidade, dramatização e arte. Nos meses de maio, junho, agosto e setembro e em dezembro, no encerramento, houve uma exposição dos trabalhos de arte no MRSJDR e uma peça de teatro na Fundação Municipal de Cultura;
- Exposição de Curta Duração:
a) Presépio – apresentando como acervo um presépio do século XIX com 150 figuras em Terracota, do autor sanjoanense Joaquim Francisco de Assis Pereira.
b) Joaquim Francisco de Assis Pereira – um artista sanjoanense (1813-1893). Apresentação de esculturas sacras.
- Seminário:
Aspectos de São João Del Rei, com palestras sobre a história da cidade, caminhos da antiga vila, música e artes plásticas na região.
Norma Fairbanks Gomes, em correspondência de 1983 comunica ao coordenador dos museus, o Senhor Rui Mourão sobre a pouca relação do museu com a comunidade, que segundo ela “está servindo apenas aos turistas”. Ela tinha planos de elaborar uma nova museografia que contemplasse mais a história da cidade. Entretanto, naquele momento não foi possível e segundo ela, esse problema foi amenizado pelas ações educativas descritas acima, as quais poderiam ajudar a despertar o interesse das pessoas da cidade para o museu.
Em 1984 houve no museu a exposição de Curta duração intitulada Queremos Ver-te Verde, em parceria com Instituto Estadual de Florestas. A exposição tinha como objetivo apresentar a atual situação ecológica da cidade de São João Del Rei. Percebe-se o grande envolvimento da museóloga para a sua realização, pois sem recursos, pede emprestado o projetor e tela ao Regimento Tiradentes da Policia Militar, assim como filmes sobre ecologia, que seriam exibidos paralelamente à mostra, para a Petrobras, Rede Globo, Consulado da Alemanha e França.
Filmes também foram exibidos no ano de 1985, agora sobre a temática da Arte. Esta foi a única atividade encontrada nos registros no ano citado.
Uma exposição de Curta duração aconteceu em 1986 e foi inaugurada em vinte e dois de março, cujo título era O Tecer Mineiro e, cujo objetivo era apresentar todo o processo da técnica de tecelagem. No mesmo ano houve ainda a exibição de vídeo Carnaval em São João Del Rei- 1986 e em homenagem ao dia da mulher A força Invisível .Ambos, emprestados pela Rede Globo.
Quando a museóloga, em 1987, deixou o museu, primeiramente licenciada e, posteriormente, em definitivo, o setor educativo ficou sem profissional e o museu sem atividades educativas.
No retorno de Norma Fairbanks ao MRSJDR como diretora, em 1994, também estava trabalhando, como museóloga, Ariadne B. de Souza Motta. Nesse período houve dois projetos para o educativo. Primeiramente, a confecção de duas maquetes: uma da casa e suas divisões originais e outra do centro histórico da cidade e posteriormente, o projeto Conhecendo o Museu com o Palhaço Tempão.
A confecção da maquete da casa e do centro histórico foi uma tentativa de aproximação com o público local enfatizando o caráter regional do seu acervo, e a utilização de um recurso didático para dinamização das atividades educativas, já que segundo Norma fairbanks “a exposição permanente do Museu Regional de São João Del Rei há muito não atende aos conceitos atuais de museologia” (24/11/1994).
Já o projeto Conhecendo o Museu com o Palhaço Tempão foi desenvolvido a partir de 1994 e teve duração de pelo menos dois anos. Dirigido a crianças de 7 a 10 anos, a atividade consistia em uma visita mediada pelo palhaço Tempão, personagem cuja criação foi inspirada no teatro dos Mamulengos[6] e surgiu originalmente na cidade do Serro/MG. Tempão era um palhaço que vivia há 300 anos e portanto vivenciou todos os acontecimentos do passado e gostava de preservar a memória deles. O objetivo do projeto era trabalhar o conceito de Museu e Patrimônio de forma lúdica e interessante. Após as visitas, as crianças eram convidadas a produzirem desenhos ou pinturas sobre os temas tratados.
Apresentamos, aqui, um resumo da história da instituição, assim como das atividades educativas desenvolvidas ao longo do tempo. A apresentação das atividades foi possível graças ao registro nas correspondências do arquivo institucional. Portanto, pode ser que tenha havido outras atividades cujo registro não se encontra no arquivo e por isso não foi possível descrever. Todavia, mesmo assim podemos ter uma ideia geral das ações educativas realizadas e também daquelas pretendidas e que não foram realizadas; a dificuldade nas suas realizações; a descontinuidade nos programas educativos devido a fatores diversos.
Em 2010 quando o IBRAM abriu uma vaga para o cargo de técnico em assuntos educacionais para todos os seus museus deu-se início a uma tentativa de implantação de políticas para a educação museal. Um servidor responsável pelo setor educativo permite continuidade na implantação de um programa educativo e cultural, embora não tenham desaparecido as diversas dificuldades que os museus enfrentam nessa área. Dentro desse esforço de construção de uma Política para o campo museal, em 2017, houve a publicação do Caderno Nacional da Educação Museal, documento que fornece bases para a construção de projetos educacionais aos museus.
No MRSJDR hoje há um programa educacional no qual são planejadas diversas ações culturais. O museu recebe em torno de 15.000 visitantes ao ano dos quais aproximadamente 5.000 são de grupos escolares, em sua maioria de Escolas Públicas da cidade, nas visitas mediadas; 1524 participantes em eventos promovidos pelo museu ou instituições parceiras e o restante dos visitantes são de público espontâneo. Há ainda os visitantes turistas que chegam de diversas regiões do Brasil assim como estrangeiros de diversos países. O museu promove atividades tendo como meta atingir todos tipo de público tais como crianças, idosos, turistas, moradores da comunidade.
Não há orçamento específico para as ações educativas e culturais, pois a instituição é da categoria 2 dos museus do IBRAM e não possui orçamento próprio. No entanto, temos conseguido aprovar projetos do programa educativo e cultural dentro do orçamento do IBRAM.
[1] Atualmente IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional.
[2] Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional, 1939, Rio de Janeiro v.03 P.149-162.
[3] Informações disponíveis do site do IPHAN em: http://iphan.gov.br/montardetalheconteudo.dojssecional/noticia. Acesso em 11/07/2019
[4] Arquivo Noronha Santos. Documento de 15/05/1961
[5] Idem.
[6] Mamulengo é um tipo de fantoche típico do nordeste brasileiro, especialmente do estado de Pernambuco. A origem do nome é controversa, mas acredita-se que ela se originou de mão molenga – mão mole, ideal para dar movimentos vivos ao fantoche. Um ou mais manipuladores dão voz e movimento aos boneco. Informação disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Mamulengo. Acesso em 18/10/2019.