Com mais de meio século de trabalho na área de museologia, Drª. Lygia Martins Costa teve papel fundamental na jornada que nos trouxe para o atual cenário museológico brasileiro e foi a principal responsável pela exposição e curadoria do acervo do Museu Regional de São João del-Rei.
Símbolo de perseverança, dedicação e proatividade, ela dedicou grande parte da sua vida em tornar os museus espaços de preservação e conservação histórica.
Apesar de se considerar carioca – devido aos noventa anos em que morou na capital fluminense – Lygia nasceu no Vale do Paraíba, também no Estado do Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 1914. Seu pai era engenheiro na Estrada de Ferro Central do Brasil e, por isso, sua família morou em diversos lugares diferentes. O primeiro destino foi o Rio de Janeiro, então capital da República, onde a futura museóloga iniciou seus estudos.
A permanência na cidade não durou muito tempo. Em 1922, a família se mudou para os Estados Unidos. Nos primeiros seis meses de sua estadia naquele país, ela iniciou o seu interesse pela área museológica, após visitar o Museu de História Natural e o Metropolitan, ambos em Nova York. Esse primeiro contato despertou em Lygia a vontade de dedicar a sua vida profissional a aquele universo.
Algum tempo depois, já de volta ao Brasil, ela demorou mais de uma década para de fato iniciar os estudos em museologia. Em 1938, Lygia se inscreveu no Curso de Museus do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Naquele tempo, sua vontade quase foi anulada pelo conservadorismo de sua família – principalmente de seu pai, que não via com bons olhos a idéia de uma filha mulher prosseguir com seus estudos. Inclusive, anteriormente, o pai também a havia sido impedida de seguir carreira como engenheira. A permissão para o Curso de Museus só foi concedida quando seu irmão foi até a instituição e voltou com a seguinte fala: “Pode deixar papai, só tem mulher!”.
O curso era recente, tinha duração de dois anos e um currículo cheio de falhas, mas nada disso a impediu de sentir que estava no caminho certo, e que seu futuro estava na Conservação de Museus – atual carreira de museologia. E ela resolveu trilhar esse caminho ainda antes de receber o diploma do curso.
Em 1939, Lygia decidiu participar de um concurso público do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes. Mais uma vez, seu pai a interferiu, contrário à ideia de ver sua filha trabalhando. Foi necessária muita insistência da parte dela e a intervenção do Dr. Israel Max Roussine, engenheiro e amigo do pai, que intercedeu em favor de Lygia.
A avaliação consistia na elaboração e apresentação de uma tese e Lygia teve apenas quinze dias para decidir o tema e escrever o texto – enquanto seus concorrentes já estavam se preparando ao longo de todo o ano. Com muito estudo e alguma ajuda externa, ela foi aprovada. Em 1940 começou a trabalhar no Belas Artes.
Drª. Lygia, assim como a equipe de museólogos, trabalhou na implantação efetiva do Museu em termos de administração, documentação, pesquisa, conservação e exposição. O seu trabalho foi decisivo para firmar o museu, novidade na época. Esse período foi marcado, também, pela vontade e necessidade de obter novos conhecimentos, de se aprimorar. Ela frequentou cursos, estudou Iconografia, História da Arte, Filosofia, Literatura e outras formações. Com isso, ela percorreu o Brasil e o mundo.
Em 1943, ela exerceu a função de curadora, organizando a “Exposição do Centenário de Pedro Américo” e a “Exposição de Pintura Britânica Contemporânea”. Ambos os projetos apresentaram o seu desenvolvimento e maturidade profissional. Nos anos que vieram, Lygia se tornou referência, tanto pelo primor de seu trabalho quanto pela preocupação em fundamentar teoricamente os seus estudos.
No final da década de 1940, se interessou pela ICOM – Conselho Internacional de Museus – e seus esforços resultaram na ONICOM – Organização Nacional do ICOM – da qual se tornou secretária. Essa instituição possibilitou que os museólogos brasileiros em geral tivessem mais facilidade em acompanhar as transformações ocorridas no campo museal em todo o mundo. A partir de então ela se envolveu, cada vez mais, com o intercâmbio internacional de informações museais, recolhendo conhecimentos que garantiriam a ela um lugar na Mesa Redonda de Santiago – encontro com profissionais da área museológica, que ocorreu no Chile em 1972.
Duas décadas depois, ela se envolveu na luta pela formação de entidade nacional que centralizasse o debate pela regulamentação da profissão do museólogo. O ativismo resultou na Associação Brasileira de Museologistas – ABM, da qual Lygia se tornou sócia-fundadora.
Em 1952, fez história ao se tornar a primeira mulher museóloga do Patrimônio, após aceitar o convite para ingressar no IPHAN. Ela atuou como curadora, pesquisadora e como consultora dos museus do patrimônio. E contribuiu para que diferentes instituições desenvolvessem uma lógica mais reflexiva na apresentação dos objetos, com o objetivo de despertar os museus para as questões locais e incentivá-los a priorizar as ações educativas.
Foi nessa época que Lygia atuou na formação do Museu Regional de São João del-Rei. Ao longo da década de 1950, ela esteve diretamente ligada na curadoria da instituição, selecionando e adquirindo o acervo da instituição que viria a ser inaugurada em 1963. Lygia também foi responsável pela pela elaboração do projeto da primeira expografia do Museu Regional. Apesar das modificações ao longo dos anos, seu projeto ainda é a base da exposição de Longa Duração.
Entre as décadas de 1980 e 1990. Lygia ainda seria a responsável por um grande marco na história da museologia brasileira. Ocupando o cargo de diretora da Divisão de Estudos e Tombamentos, ela idealizou e organizou o Museu da Abolição, em Recife.
Ela se aposentou em 1983, mas nunca deixou de trabalhar e estudar. Criou uma reputação tão forte que continuou a ser requisitada como consultora, palestrante e idealizadora de museus. Ela veio a falecer no dia 12 de julho de 2020, com 105 anos de muita lucidez.
Por Brenda Guerra e Isabela Castro